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O MODO DE VIDA DOS FAXINALENSES DO PARANÁ NOS MEANDROS DE SUAS POSSIBILIDADES
 (texto originalmente publicado em agosto de 2014)




Se no conjunto da sociedade moderna, o Estado e o direito ocupam um lugar central no processo de regulação social, por outro lado, existem frações da sociedade em que outros elementos também participam, ao lado do direito positivo, do ordenamento das práticas e ações que dão sentido à vida.  Estas regras são elaboradas internamente, a partir de práticas ligadas ao cotidiano das pessoas, próximo aos sujeitos que delas partilham.  Tal elaboração, que se convencionou chamar de direito costumeiro, obedece aos costumes, definidos a partir do vivido.
É neste ambiente que residem os camponeses faxinalenses do Paraná.  Os “faxinais”, como são conhecidos, encontram-se nas regiões Centro-sul e Sudeste do Paraná e são possuidores de um modo de vida baseado no uso comum da terra que perdura por mais de 200 anos.
Cada comunidade de faxinal possui um criadouro comunitário, ou criador.  Nestes, embora as propriedades sejam particulares não existem cercas e os animais são criados soltos, podendo apascentar livremente.  As casas ficam dispersas no interior dos criadores, ao longo dos caminhos.  Cada uma delas possui cerca e portão, pois junto a elas encontram-se os quintais e pomares para uso da família, além do paiol e do curral que ficam protegidos da invasão desses animais.
Nos criadores habitam, também, famílias que não possuem terras.  Essas famílias são geralmente compostas por parentes dos próprios faxinalenses e provenientes de outros locais onde tiveram que deixar suas terras.  Mesmo estando nessa condição, estas ainda têm o direito de manter seus animais nos criadores, dependendo do consentimento do proprietário da terra na qual elas habitam e da comunidade como um todo. 
Os faxinalenses respondem por grande parte da preservação da Floresta com Araucária do Paraná.  Sua relação com a floresta se dá pelo manejo sustentável -  extraem dela o necessário para a reprodução da família como a madeira para lenha, a erva-mate e o pinhão durante o período do inverno, sempre respeitando seus ciclos para que nada possa faltar para as gerações futuras.    Estes sujeitos entendem que a floresta precisa ser preservada, pois dela dependem para manterem o seu modo de vida.
Em um faxinal, se uma cerca muda de lugar, se o trecho de um caminho é alterado ou se uma árvore é derrubada – isso acontece porque seus membros acharam melhor que fosse assim.  Essas modificações são decididas em conjunto e realizadas para o benefício de todos. 
Atualmente o modo de vida camponês dos faxinalenses encontra-se ameaçado.  O interesse do capital especulativo pelas áreas onde eles se localizam fez com que muitas dessas comunidades sofressem drástica redução do perímetro de seus criadores. Isso vem se dando pelo processo de mercantilização de terras para a instalação de fazendas de cunho comercial, principalmente no que tange às ligadas expansão da lavoura da soja e o florestamento com pinus e eucalipto, bem como a instalação de chácaras de veraneio, principalmente entre faxinais que se encontram na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) onde a ideologia individualista do urbano invade os criadores e contrasta com as relações baseadas no compadrio dos faxinalenses.
Foi dessa forma que, nos meandros desses conflitos, os faxinalenses buscaram a possiblidade de sobrevivência de suas comunidades e do seu modo de vida.  Isso aconteceu no ano de 2005, durante o Primeiro Encontro Estadual dos Povos Faxinalenses.  A partir desse momento, os faxinalenses entenderam que era necessário um movimento social próprio que operasse no sentido de pressionar o Estado para que fossem efetivadas políticas públicas que assegurassem a manutenção do seu modo de vida. Foi então criado o Movimento Social Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APF).  A partir desse momento histórico, foi possível se organizar para pressionar o Estado em suas três esferas governamentais para que se pudessem tornar mais eficientes políticas públicas que beneficiam os faxinalenses como um todo.   
O governo do estado do Paraná, que havia reconhecido a existência de faxinais no ano de 1997, por meio da criação das Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESURs), termo jurídico que caracteriza as terras de uso comum onde a floresta encontra-se preservada, deu a possibilidade de repasse do recurso para a manutenção de suas terras de uso comum.  No entanto, em algumas localidades este recurso não chega até as comunidades ou chega parcialmente devido a falta de vontade das prefeituras em apoiar a causa dos faxinais.  Em alguns casos ela até mesmo cria dificuldades para que um faxinal seja reconhecido como ARESUR.
A luta não acaba onde iniciam as politicas públicas.  Para fazer valer os seus direitos, os faxinalenses necessitam pressionar e estabelecer compromissos com estado nas suas três instâncias (executivo, legislativo e judiciário), pois a garantia de que sejam cumpridas as leis esbarra no lobby político de especuladores e ruralistas neste país.   A luta acontece e deve acontecer por meio de denúncias, audiências, manifestações juntamente com um aparato informativo para que os costumes de sua gente não termine nos limites do faxinal, mas que sejam reconhecidos nas diversas esferas da sociedade como exemplo para um mundo cujas instituições encontram-se tão desgastadas.

Marcelo Barreto – LATEC - UEL

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