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A RELAÇÃO ENTRE CAPITAL E ESTADO E AS ELEIÇÕES DE 2014: AS ESTRATÉGIAS DO AGRONEGÓCIO
(texto originalmente publicado em dezembro de 2014)


            Desde década de 1970, assistimos a crescente perda da participação dos Estados nacionais para o capital financeiro na regulação da vida social.  Sugerido pela política neoliberal para a intervenção nas economias estatais o capital financeiro vem promovendo nova reestruturação do capitalismo em escala mundial.  Estabeleceu-se, sob o pretexto da retomada de crescimento proposto pelas elites capitalistas afetadas pela crise de sobreacumulação e na ânsia de retomar o seu poder, a nova ordem.   Nova ordem esta marcada pela desestruturação de instituições que asseguravam maior distribuição para a população da renda pública gerada, como acontece com o desmonte do estado de bem estar social. 
O Estado, assim, deixou de estar a serviço da população para estar a serviço do capital, permitindo que este último intervisse na tarefa de cuidar do povo.
            Segundo o geógrafo David Harvey (2004), a acumulação do capital avança de duas formas: uma na relação de produção especificamente capitalista marcada pelo trabalho assalariado e a extração da mais-valia e outra na acumulação por espoliação que se traduz em mecanismos predatórios e coercitivos de obtenção de recursos, como a concentração de riquezas nas mãos de poucos e a marginalização de sociedades inteiras no processo de divisão social do trabalho. 
A intervenção política também vem se constituindo como uma das frentes desse processo.  Munidos de um arsenal ideológico pesado em benefício dos interesses econômicos, os serviçais do capital na figura de representantes do poder do Estado abrem caminho para que a acumulação por espoliação se firme, por exemplo, no campo; onde a vida ainda obedece ao ritmo da natureza e das relações construídas em conjunto com os sujeitos que partilham dos bens comuns.
***
No dia 21 de setembro, o jornal Folha de São Paulo publicou um artigo demonstrando o maior doador de campanhas nas eleições de 2014.  Trata-se da JBS.  Até o começo de setembro, a maior indústria de processamento de carnes do mundo desembolsou a quantia de R$ 113 milhões para as campanhas de 393 candidatos de 14 partidos nas duas esferas de poder do Estado que são elegíveis pela população.
Consequência ou não deste investimento, é fato que entre os anos de 2015 e 2019, a bancada ruralista do Congresso Nacional contará com 68 representantes a mais do que possui atualmente (irá de 205 para 273 representantes).  São 273 deputados federais ávidos para aprovarem (ou atravancarem) projetos de lei conforme lhes convém.    Uma demonstração dessa “força” foi observada recentemente quando a oposição conservadora não aprovou, na Assembleia Legislativa, a proposta de plebiscito para a reforma política apresentada pelo Executivo que ocorreu logo após as eleições.  Qual será o resultado quando a PEC 215, que dará ao Congresso o “poder” para definir quais terras indígenas serão demarcadas for encaminhada para votação?
A oposição conservadora do Congresso, representada majoritariamente pela burguesia e pelos grandes proprietários de terras quer uma reforma política à sua maneira, ou seja, aquela em que prevalecem os interesses econômicos sobre os populares e que não propõe nada de novo, apenas a renovação do velho.
Ainda, David Harvey (2004) afirma que “a formação do Estado em associação com a constitucionalidade burguesa têm sido características cruciais da longa geografia histórica do capitalismo”.  Ressalta-se que no Brasil essa longa geografia histórica do capitalismo vem se constituindo pela associação entre os proprietários de terras (lê-se a oligarquia) e a classe burguesa.   
Se observarmos do ponto de vista dessa associação, não existem projetos distintos de um futuro para o Brasil que não passe pelo agronegócio, pois esta cadeia estará contemplada na pasta de governo de qualquer candidato que receba seu apoio. 
Temos uma estrutura fundiária concentrada e desigualdade no campo sem tamanho no Brasil. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) referentes ao ano de 2006, apenas 0,90% dos imóveis rurais, que são representados pelos imóveis com mais de 1000 ha ocupavam quase metade da área agricultável (44,41%), enquanto que 85,95%, representados por imóveis com menos de 100 ha ocupavam apenas 21,42% da área agricultável no Brasil.
As estratégias do agronegócio são várias.  Como define Alfredo Wagner B. de Almeida (2010) seus representantes contam com um vasto aparato formado por instituições de pesquisa, pela mídia e ONGs que produzem resultados de fina coerência para que tornem efetivas suas pressões políticas. 
Cabe ressaltar que a visão triunfalista do agronegócio permeia as opiniões fazendo da ideologia dominante da burguesia a única forma de pensamento que dá a chancela para construção de um projeto de desenvolvimento para o país - é o entendimento de que no Brasil as terras são infinitas e que todas elas deveriam estar à disposição para a expansão da monocultura e assim garantir o alimento para o mundo. 
Isso acontece sem nos darmos conta da nossa história, marcada pela usurpação de terras indígenas, grilagens e expulsão de famílias camponesas de seus lares que ainda não acabou.  Também não nos damos conta de que a estrutura fundiária no Brasil ainda permanece arcaica favorecendo essas práticas, mesmo havendo na lei mecanismos que as proíbem. E, não em menor importância, ainda está para acontecer uma reforma agrária do Estado que dê condições para que os camponeses mantenham seu modo de vida e que não favoreça quadrilhas organizadas que fazem da terra um instrumento de negócio.

REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Alfredo Wagner B. Agroestratégias e Desterritorialização: direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios. In: ALMEIDA, A. W. B. et. al. (orgs.) Capitalismo Globalizado e Recursos Territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010, pp. 101-143.

HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.

Marcelo Barreto

Grupo de Estudos Agrários, LATEC/UEL

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