A CONSOLIDAÇÃO DA REDE DE AGROECOLOGIA NOS ASSENTAMENTOS DO NOROESTE DO PARANÁ: O banco de sementes como uma forma de resistência e manutenção da agricultura camponesa
Introdução
Este texto, o qual também foi discutido na Jornada de
Pesquisadores da Questão Agrária que ocorreu na cidade de Marechal Cândido Rondon entre 13 a 15 de
novembro de 2016, é resultado de um projeto intitulado: “A Geografia das Lutas no Campo: apoio à consolidação da rede
de agroecologia nos assentamentos do Noroeste do Paraná” o qual foi fomentado pelo Programa Universidade Sem Fronteiras da Secretaria de
Estado, Ciência e Tecnologia do Paraná – SETI, sendo que no ano de 2016, esteve
em sua segunda fase de desenvolvimento. Nesta etapa, a equipe trabalhou no
sentido de apoiar e viabilizar em conjunto com os camponeses, a consolidação de
Rede de Agroecologia, que foi criada na primeira fase do projeto. Dito isto, a
propósito do nosso recorte espacial, salientamos que a Região Noroeste
paranaense abarca a Microrregião Geográfica de Paranavaí. Nesta microrregião,
inserem-se os municípios que possuem uma grande quantidade de assentamentos resultantes
da luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, nos quais temos
dedicados nossos trabalhos nesse ano, sendo eles: Querência do Norte, Santa
Cruz do Monte Castelo, Terra Rica, Amaporã e Planaltina do Paraná. Os mapas
abaixo nos mostram a localização da região Noroeste no Estado do Paraná e os
municípios envolvidos no projeto.
Nestes municípios temos concentrado nossos esforços para consolidar a
Rede de Agroecologia do Noroeste, criada em 2013 visando expandir experiências
agroecológicas nos assentamentos da região. Naquele ano iniciamos um projeto de
extensão, também por meio do programa Universidade Sem Fronteiras, cujo
objetivo, somando parcerias[1],
era criar a Rede de Agroecologia. Com a rede criada, nossos esforços
precisariam ser empreendidos no fortalecimento para sua consolidação. Nesta etapa, o objetivo dos envolvidos nessa articulação
que visa a ampliação das práticas agroecológicas voltou-se ao levantamento e
resgate das sementes crioulas, pautados na valorização do
conhecimento tradicional e na defesa da variabilidade genética vegetal. Assim,
trabalhamos para a formação de um banco de sementes crioulas como parte da
agenda prevista no projeto.
Os principais objetivos para a formação de um banco de sementes estiveram
direcionados a evitar a erosão genética e contribuir para a autonomia das
unidades rurais que conformam os assentamentos da região. O primeiro remete ao
declínio de espécies vegetais alimentares em virtude da redução das variedades,
voltadas para atender o mercado. O segundo tem como foco o fato de que uma
família que utiliza sementes crioulas não necessita comprar o conjunto de insumos
e defensivos sintéticos que acompanham as sementes híbridas e transgênicas, beneficiando-se
de uma maior autonomia financeira, ao mesmo tempo que estabelece resistências
ao avanço de uma agricultura nos moldes do modo de produção capitalista, que
prevê o lucro a qualquer custo e o descaso com o ambiente.
Os Camponeses do Noroeste do Paraná em Busca de uma
Produção Agroecológica Através da Rede de Agroecologia: A Questão das Sementes,
a Dinâmica da Rede e a Metodologia da Equipe
Na agroecologia as sementes representam objeto fundamental, uma vez que
seu uso implica em cenários produtivos específicos sob
o controle direto dos trabalhadores, com um manejo pautado em
técnicas agroecológicas, tais como adubação verde, rotação e consorciamento de
culturas e defensivos naturais. As sementes crioulas, também chamadas de “tradicionais”
ou “próprias”, são adaptadas ao meio e, por isso, são mais resistentes às
doenças e a ataques de insetos quando comparadas às convencionais, cujo
melhoramento é sistemático e altamente padronizado. As sementes ditas
convencionais podem ser de dois tipos: híbridas; quando resultado de cruzamento
de duas plantas da mesma família e diferentes linhagens, ou transgênicas;
quando em uma planta são inseridos genes com características desejáveis presentes
em outro ser vivo. Estes processos fragilizam as cultivares, tornando-as mais
exigentes em adubação, defensivos e condições ambientais. As sementes crioulas,
no seu processo de domesticação continuado durante milhares de anos, são
melhoradas segundo seleção massal, isto é, a “olho nu”. Desta maneira as
plantas mais viçosas de uma mesma linhagem são cruzadas entre si. A
produtividade de determinada variedade é sobremaneira influenciada por sua
adaptabilidade às condições edafoclimáticas locais, daí decorre a considerável produtividade das
sementes tradicionais sem insumos sintéticos e a importância de criar um banco
de sementes regional. Partindo de tais premissas, a Rede de Agroecologia do
Noroeste tem se estruturado a partir de formas participativas que pretendem
atender as demandas dos agricultores, portanto nossas diretrizes de trabalho
são definidas conjuntamente. Nossa
metodologia - que já é uma metodologia consolidada e que vale a pena ressaltar
que tem dado ótimos resultados - temos denominado de “Metodologia Coletiva de
Ações Participativas e Trocas de Experiências e Saberes”, a qual envolveu os
camponeses, os pesquisadores deste projeto, mediados sempre pelo grupo gestor
da Rede. Nas reuniões coletivas definimos que um dos pilares de consolidação da
iniciativa seria a criação de um banco de sementes. Assim, ao longo dos
diversos encontros, elencamos nos assentamentos, as famílias que possuem
sementes crioulas e as que teriam interesse em cultivá-las. A foto demonstra o grupo reunido discutindo os
assuntos referente a Rede.
Grupo Gestor da Rede Reunido no Centro de Formação Ernesto Guevara - CEPAG, no município de Santa Cruz do Monte Castelo-PR. Fonte: Acervo do projeto. Data: 01-10-2015. |
Inúmeros trabalhos de campo foram realizados para visitar e cadastrar
tais famílias, valendo-nos de aparelho do Global
Sistem Position - GPS, para pontuar as localizações dos
agricultores e elaborar mapas. Também fizemos uso da câmera fotográfica, para
fotografar e filmar, pois cremos que a imagem é um elemento fundamental para
retratar e comparar as mudanças no espaço geográfico. Com isso montamos uma
pasta iconográfica e realizamos um
pequeno documentário no final do projeto. Sendo estes também, elementos
fundamentais no roteiro para escrevermos as informações necessárias para
catalogação das sementes, as quais foram coletadas e armazenadas em recipientes
de plásticos quando ainda estávamos no campo e, posteriormente armazenadas usando a técnica de conservação das
sementes.
Não trabalhamos com questionário estruturado
e, sim com o uso da fonte oral, em que por meio das entrevistas obtivemos um
maior nível de detalhamento possível das informações de cada semente para
catalogação, tais como: local de origem, suscetibilidade a doenças e insetos,
morfologia vegetal e época de plantio e produtividade. Coletamos amostras de 106 variedades, em quantidades
variadas segundo a disponibilidade de cada agricultor. No retorno à
Universidade, armazenamos as sementes em potes lacrados, com terra diatomácea[2]
a fim de garantir melhor conservação. É fundamental levar em consideração que
um banco de sementes tem por objetivo que estas se mantenham férteis,
objetivando sua posterior replicação entre os interessados. Em cada pote foi
afixada uma etiqueta descritiva da variedade, data da coleta,
família, origem da semente, assentamento, município e ciclo produtivo.
Nestes trabalhos de campo a equipe pôde se colocar a par das iniciativas
individuais, interesses e dificuldades tangentes aos processos de produção em
bases agroecológicas, tomando conhecimento que esta riqueza da biodiversidade
alimentar local pertence, naturalmente, aos agricultores assentados envolvidos
no processo construtivo da Rede. É por isso que o banco de sementes, finalizada
a etapa atual de coleta e armazenamento será entregue ao CEPAG - Centro de Pesquisas e Estudos Ernesto Guevara, do MST, localizado
em Santa Cruz do Monte Castelo.
Considerações Finais
Este trabalho de pesquisa e extensão, busca fomentar o debate da importância
que, para os camponeses tem, a produção e troca de sementes. O objetivo do
projeto é criar um banco de sementes crioulas com diversas variedades de
cultivares para que os agricultores tenham possibilidade de plantar outras espécies fomentando assim a Soberania
Alimentar. O projeto conta com assessoria, realizada por técnicos agrícolas e
agrônomos, que acompanham e auxiliam as técnicas herdadas que passaram de
geração em geração.
No entanto, a proposta não pretende
ensinar a plantar, adubar e fazer a correção adequada do solo aos assentados,
mas sim resgatar sua cultura e valorizar a atividade consistente em selecionar e intercambiar sementes. Este
trabalho junto às famílias camponesas procura incentivar cada vez mais o
plantio e troca de sementes crioulas para ampliar as práticas agroecológicas na
região noroeste do Paraná, constatando que, no caso da produção agroecológica, não
é necessário o uso de adubos químicos inorgânicos e agrotóxicos para obter boas
produtividades.
Como mencionamos acima - referente a coleta - no banco de sementes estão também
catalogadas as cento e seis espécies de sementes das mais diversas variedades,
como: arroz, feijão e milho como as mais conhecidas, igualmente, há outras que
talvez sejam menos conhecidas para determinadas famílias, mas todas com sua
devida importância para continuidade, não só da espécie e sim, em termos de
relevância no mercado consumidor e na mesa da população. Ademais, todas as
sementes estão armazenadas em potes com devidas informações sobre cada
variedade numa linguagem adequada que facilita a compreensão dos sujeitos da
proposta. Desta maneira, esperamos fomentar que novas famílias assentadas na
região adiram nos seus lotes a esta proposta que visa a independência das
famílias camponesas, mediante o uso e a preservação das espécies, despertando o
interesse pelo cultivo e “cuidado” para com as sementes crioulas .
Grupo
de Trabalho do Laboratório de Geografia Agrária do DGE – UEM – LAGEA – Postagem
para fevereiro de 2017.
Adélia Aparecida de
Souza Haracenko.
Claudemir Rodrigues
Soares.
Isaac Giribet i
Bernat.
Julia Marcon Costa.
Mariane
Santos Sarraipa.
Sandra Mara de
Oliveira Soares Escher.
[1] Dentre elas cabe destacar a
estabelecida com um projeto de cooperação internacional financiado pela
Universitat de Lleida, que também visa a implantação de práticas agroecológicas
em assentamentos de Reforma Agrária da região Noroeste.
[2]
Essas amostras de
sementes que estão compondo o banco, foram devidamente armazenadas em frascos
de plásticos contendo terra de diatomácea, que é um pó inerte proveniente da
moagem de depósitos fossilizados de algas fitoplanctônicas (diatomáceas), à
base de dióxido de sílica, que vem sendo utilizada no controle de pragas de
grãos armazenados. Ela atua como um combatente de insetos, dificultando que a
semente venha a estragar por ações desses insetos. Auxilia também no controle
de umidade dentro dos frascos, os quais são lacrados e etiquetados com as
informações de cada variedade, família e localização.