Quatro dias depois de defenestrar o chefe do combate nacional ao trabalho escravo (André Roston, chefe da DETRAE), o Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, publica no Diário Oficial da União de hoje, 16/10/2017, Portaria de sua autoria (n° 1129 de 13/10/2017) que, literalmente “acaba” com o trabalho escravo no Brasil.
A
Portaria, numa canetada só, elimina
os principais entraves ao livre exercício do trabalho escravo
contemporâneo tais quais estabelecidos por leis, normas e portarias
anteriores, ficando como saldo final o seguinte:
Flagrante de trabalho escravo só
poderá acontecer doravante se – e unicamente se – houver constatação do impedimento de ir e vir imposto ao
trabalhador, em ambiente de coação, ameaça, violência.
Para
conseguir este resultado –
há muito tempo tentado pela via legislativa, mas ainda sem o sucesso
exigido pelos lobbies escravagistas – bastou distorcer o sentido de
expressões e termos há muito tempo consagrados na prática da inspeção do
trabalho e na jurisprudência dos
tribunais.
Exemplificando, no lugar de ser simplesmente
eliminadas dos qualificadores do trabalho escravo contemporâneo, a jornada exaustiva e as condições degradantes recebem na nova
Portaria uma esdrúxula reformulação assim redigida:
- Jornada exaustiva: "submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais".
- Condição degradante: "caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir... e que impliquem na privação de sua dignidade".
- Condição análoga à de escravo: “trabalho sob ameaça de punição, com uso de coação”; “cerceamento de qualquer meio de transporte”; “manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador em razão de dívida contraída”.
Simultaneamente impõe-se aos auditores fiscais do trabalho um elenco de exigências e rotinas visando a tornar, no mínimo, improvável o andamento administrativo dos autos de infração que eles se atreverem a lavrar ao se depararem com situações de trabalho análogo à de escravo. Óbvio, esse engessamento tem um endereço certo: inviabilizar a inclusão de eventual escravagista na Lista Suja, ela também re-triturada pela caneta do Ministro e sua divulgação doravante sujeita à sua exclusiva avaliação.
Na oportunidade estabelece a Portaria que os autos de infração relacionados a flagrante de trabalho escravo só terão validade se juntado um boletim de ocorrência lavrado por autoridade policial que tenha participado da fiscalização, condicionando assim a constatação de trabalho escravo, atualmente competência exclusiva dos fiscais do trabalho, à anuência de policiais.
Sem
consulta nenhuma ao Ministério
dos Direitos Humanos, outro signatário da Portaria Interministerial
MTPS/MMIRDH n°4 de 11/05/2016, o Ministro do Trabalho rasga seus
artigos 2 (al.5), 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e resolve excluir o Ministério
Público do Trabalho da competência para celebrar eventual
Termo de Ajuste de Conduta com empregadores em risco de serem incluídos
na Lista Suja, deixando esse monopólio ao MTE em
conjunção com a AGU.
É
falácia a
alegação subjacente à Portaria de que os empregadores alvos de flagrante
por trabalho escravo estariam desprotegidos. Foi
exatamente objeto da Portaria Interministerial hoje rasgada definir
mecanismos transparentes e equilibrados, por sinal referendados pela
própria Presidente do Supremo Tribunal Federal.
A força do conceito legal brasileiro
de trabalho escravo, construído a duras custas até chegar à formulação moderna do artigo 149 do Código
Penal, internacionalmente reconhecida, é de concentrar a caracterização do trabalho escravo na negação da dignidade
da pessoa do trabalhador ou da trabalhadora, fazendo dela uma “coisa”, fosse ela presa ou não. É por demais evidente que a
única e exclusiva preocupação do Ministro do Trabalho nesta suja empreitada é oferecer a um certo empresariado
descompromissado com a trabalho decente um salvo-conduto para lucrar sem limite.
16 de outubro de 2017
Comissão
Pastoral da Terra - Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo “De Olho Aberto para não Virar
Escravo”
Comissão
Episcopal Pastoral Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB)
Mais informações:
Frei Xavier Plassat: (63)
99221-9957
Francisco Alan Santos: (86)
99558-4711