EM DEFESA DO PRONERA E DO DIREITO À EDUCAÇÃO DO CAMPO
O governo Bolsonaro publicou no dia 21 de fevereiro de 2020 o Decreto
10.252/2020, que altera a estrutura regimental do Incra. Mais do que
alterar a estrutura regimental e de cargos, o Decreto altera profundamente
as competências do órgão. A autarquia deixa de ter competências de
formulação. Toda a política agrária fica subordinada à formulação do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, em especial a
destinação das terras públicas, a seleção de famílias para assentamentos de
Reforma Agrária e a normatização e formação de grupos para elaboração de
estudos de identificação e demarcação de terras remanescentes de
quilombos.
Entre tantas extinções de políticas então coordenadas pelo Incra, o referido
Decreto extingue a Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania,
responsável pela gestão do programa Nacional de Educação na reforma
Agrária-PRONERA. Depois de 20 anos, extingue o lugar político da
elaboração e gestão de uma das maiores políticas públicas de educação, no
Brasil.
Já no Golpe de 2016, o Incra deixou de convocar a Comissão Pedagógica
Nacional, uma importante instância deliberativa do Programa. No início do
governo Bolsonaro, o Decreto que extinguiu todos os Conselhos, Comissões
e outros mecanismos de participação social no governo, extinguiu também
a Comissão Pedagógica Nacional do PRONERA.
O PRONERA é uma política pública forjada pelo protagonismo dos sujeitos
coletivos do campo. Até sua criação, não havia registro, na história deste
país, dos camponeses protagonizando uma política pública de educação cuja
característica fundamental é a articulação entre três sujeitos de territórios
diferenciados, mas que materializam uma nova ação do Estado: os
movimentos sociais, sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo,
o corpo dos servidores do INCRA e as Universidades.
O Decreto desconsidera que o Pronera, para além do instrumento legal de
sua criação, inscreveu-se no ordenamento jurídico do Estado brasileiro,
autorizado pela Lei 11.947, de 16 de junho de 2009 e pelo Decreto
7.352/2010 que a regulamentou.
De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Educação na Reforma Agrária – PNERA, publicada em 2015 pelo IPEA, o Programa foi responsável pela
alfabetização, escolarização fundamental, médio e superior de 192 mil
camponeses e camponesas nos 27 estados da Federação.
A partir da vigência do Decreto, nenhum órgão governamental estará
responsável pela execução do Programa. O Decreto simplesmente extinguiu
a instância até aqui responsável. Diante deste quadro é relevante que o
Governo responda à sociedade e aos assentados pelo Incra, aos assentados
pelo crédito fundiário e às populações remanescentes de quilombos, como
se fará, a partir da vigência do Decreto, a gestão dessa política:
1. Com quais instâncias se dialogará em relação aos desafios
administrativos dos convênios e projetos em andamento?
2. Que instância será responsável, na Autarquia, pela resolução,
destinação e execução orçamentária dos convênios e projetos em
andamento?
3. Que órgão do Governo se responsabilizará pelas centenas de Projetos
de educação que jazem nos arquivos do Incra à espera de alguma
resolução?
Afirmamos que o Pronera é uma política pública construída em torno do
princípio da universalização da educação pública, cuja gestão é
compartilhada no tripé Estado-Universidades-Movimentos Sociais e Sindicais
Populares do Campo. Afirma o princípio da participação ativa dos sujeitos na
elaboração de políticas públicas com fundamentos democráticos.
O Decreto extinguiu uma parte fundamental da política, porém, não
extinguirá a dívida que o Estado brasileiro tem em relação ao direito de
acesso dos camponeses à educação. Tampouco extinguirá nossa disposição
de seguir lutando por esse direito, componente de um projeto de Reforma
Agrária no País como condição basilar de uma sociedade democrática que
busque superar as aterradoras desigualdades sociais que hoje o
caracterizam.
Educação do Campo: direito nosso, dever do Estado!
Brasília, DF, 25 de fevereiro de 2020.