ACADÊMICOS DE GEOGRAFIA DA UNIOESTE FIZERAM TRABALHO DE CAMPO NO QUILOMBO PAIOL DE TELHA (RESERVA DO IGUAÇU/PR)
Fomos visitar os quilombolas
do Paiol de Telha.
Que gente guerreira
do meu Paraná!
Quilombo desconhecido,
quilombolas quase ou nada reconhecidos
Na verdade, gente que mora na
invisibilidade.
Mas lutaram pelos seus direitos,
pela lei, exigiram respeito.
Quilombolas foram assentados,
seus direitos foram resgatados.
Quilombolas do Paiol de Telha,
viva, viva essa gente guerreira!
Quilombolas, essa gente atenta
que o
Brasil representa:
representa a gente guerreira
da Nação brasileira e do meu
Paraná!...
(Quilombo Paiol de Telha, poema
inédito de Luiz Carlos Flávio)
No dia 10 de setembro deste ano de 2016
visitamos o Quilombo Paiol de Telha - Fundão situado em Reserva do Iguaçu/PR, a
cerca de 100 km de Guarapuava, no Centro-Sul do Paraná. Trata-se de um trabalho
de campo que envolveu as turmas de Geografia Agrária do cursos de bacharelado e
licenciatura em Geografia, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste) de Francisco Beltrão. É o segundo ano consecutivo que levamos os acadêmicos
da geografia para visitar este território quilombola.
O principal objetivo de nossa visita
foi possibilitar aos formandos em geografia uma visão ampla da questão
quilombola no Brasil como um todo. Como sabemos, os quilombos são a marca mais
evidente da luta das comunidades negras, de um período que abrange tanto antes
o quanto o depois da abolição da escravidão. Os territórios quilombolas são a
marca da luta pela conquista e defesa dos territórios de negros e seus
descendentes. Uma luta que busca, como afirma Simone Resende da Silva, resgatar
“a memória como forma de reinvenção da
identidade e territorialidade negra” do país (SILVA, s/d, p. 1).
A luta dos quilombolas em nível de
Brasil avançou em ganhos políticos, ao longo de 10 a 15 anos, face a muitas
conquistas concretizadas pelas demarcações de terras de diversas comunidades,
pelo governo brasileiro. Conforme dados oficiais recentes, aproximadamente 28 mil famílias quilombolas foram contempladas com a
regularização de seus territórios, entre os anos de 2005 e 2015 (REGULARIZAÇÃO
DE TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS, 2016).
Foto 1: Acadêmicos conhecendo o Quilombo Paiol de Telha.
Diante da luta e das conquistas, vale anotarmos que o
trabalho de campo citado, realizado junto à Comunidade Quilombola Paiol de
Telha, em Reserva do Iguaçu traz em si um grande significado. Primeiro por
suscitar nos acadêmicos uma atenção especial para a importância da questão dos
descendentes de escravos no país. E segundo, pelo fato de que, se no Brasil
como um todo a questão quilombola tem sido considerada como lançada às raias da
invisibilidade, no Paraná esta problemática ganha um significado ainda muito
maior.
Pois, como afirmou o Grupo de Trabalho Clóvis Moura
(QUILOMBOS..., s/d), em detalhada pesquisa sobre o tema, quilombos e
quilombolas sempre foram reconhecidos como existentes por todo o Brasil. Mas no
Paraná: “quem diria”, uma vez que : “Em terras paranaenses a diversidade étnica
demonstrava-se apenas e tão somente européia, quando toda uma estratégia de
invisibilidade dos Outros não europeus era trabalhada”.
Assim, a presença dos remanescentes de quilombos no Brasil
tem sido dada como certa em diversas partes do país. A Fundação Cultural
Palmares confirma os registros de 1342 comunidade remanescentes de quilombos
(FELIPE, 2015, p. 121). Já, indo de encontro a esse “senso comum” que afirmava
a não existência de quilombolas no Paraná, recentemente, a partir das pesquisas
do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, descobriu-se a existência 86 comunidades
consideradas remanescentes de quilombos presentes no Estado
Uma delas é a que visitamos em
Trabalho de Campo, o Quilombo Paiol de Telha – Fundão, situado em Reserva do
Iguaçu/PR. Este tem uma história que data dos anos 1860, quando “[...] Balbina
Francisca de Siqueira Cortes, proprietária da fazenda Capão Grande, deixa em
testamento à seus treze escravos libertos, a área de terra denominada Invernada
Paiol de Telha.” (FELIPE, 2015, P. 3.310).
Em diversos períodos históricos, desde tal
doação, os escravos e seus descendentes foram sendo expropriados de suas
terras, pelo uso da força e violência. Somente nos anos 1990, após direitos
legados pela constituição federal de 1988, bem como ao avivamento das políticas
de patrimonialização voltadas, dentre outros, aos direitos dos povos negros, os
descendentes de quilombolas buscaram
formas de retomar o território tidos, por direito, de seus ancestrais. Foram
lutas duras, face à realidade de disputas pela terra empreendidas em confronto
com grandes empresas, como a Cooperativa Agrária, que queria se adonar de forma
definitiva das terras quilombolas.
Como corolário da luta vivida por muitas
famílias quilombolas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
assinou em outubro de 2014 portaria de reconhecimento do território da
comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha – Fundão, em Reserva do Iguaçu,
quilombo este, aliás, que é reconhecido como o “primeiro território quilombola do Paraná” (INCRA
RECONHECE..., 21/10/2014).
De lá para cá, a comunidade vem trabalhando
para implementar o resgate da identidade
esfacelada no processo de alijamento que tais quilombolas historicamente
experimentaram. Além do resgate dos saberes e da cultura ancestrais, a
comunidade também tem buscado implementar formas de renda voltadas ao
desenvolvimento econômico e social dos quilombolas. Dentre outras atividades
por eles desenvolvidas (criação de galinhas; cultivo de horta etc.) a
comunidade adotou recentemente o cultivo de alho como uma das alternativas de
criação de renda voltada ao objetivo mencionado.
Além de conhecer a dura realidade,
bem como a luta, vivida pelos descendentes de quilombolas, tendo contato com a
história de conquista do direito de acesso a parte da terra pertencente aos
seus ancestrais, os acadêmicos também puderam anotar, dentre outros aspectos as
preocupações atuais da comunidade. Dentre estas, o resgate da cultura
quilombola, a busca de bases econômicas que sejam sustentáveis a curto, médio e
longo prazo. Mas sobretudo com as mudanças de ordem política vividas no Brasil,
face ao Impeachment da Presidente Dilma Roussef, ocorrido em 31 de agosto de
2016.
Pois, como nos relatou Ana Maria Santos da
Cruz, líder do quilombo: com a ascensão de Michel Temer ao poder, começou uma
forte onda de retirada de direitos dos povos indígenas, quilombolas,
agricultores e demais trabalhadores. Isso deixa a comunidade de sobreaviso
para, se preciso, empreender as lutas que forem necessárias para garantir que
os remanescentes de quilombolas tenham seus direitos conquistados/adquiridos
respeitados pelo Estado
brasileiro.
Referências
BRASIL.
Ministério da justiça e
cidadania. Políticas de promoção da igualdade racial.
Regularização de territórios quilombolas no brasil. 21/03/2016. Disponível
em: http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/2016/03-marco/regularizacao-de-territorios-quilombolas-no-brasil .
Acesso: 05.12.2016.
FELIPE,
Delton Aparecido. Patrimônio cultural
negro no Paraná: lugares, celebrações e saberes. In: Historiae, Rio Grande, n. 6(2), pp. 117-134,
2015.
FELIPE,
Delton Aparecido. Patrimônio cultural
negro no Paraná: a comunidade quilombola paiol de telha. In: XVII Congresso
Internacional de História, XXXV Encuentro
de Geohistória Regional, XX Semana de História. 06 a 09 de outubro de
2015, pp. 3.303-3315. Disponível em http://www.cih.uem.br/anais/2015/trabalhos/1236.pdf.
Acesso: 04/12/2015.
INCRA
reconhece o primeiro território quilombola do PR. Gazeta do Povo. Vida e
cidadania. 21.10.2014. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/incra-reconhece-o-primeiro-territorio-quilombola-do-pr-ef7n08505gpm8vqv74zcxmxce .
Acesso em 04.12.2016.
QUILOMBOS e quilombolas no Brasil, mas no Paraná,
quem diria. Grupo de
Trabalho Clóvis Moura. História, quilombos e quilombolas. Disponível em:
http://www.gtclovismoura.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=58 .
Acesso: 05.10.2016.
SILVA,
Simone Resende da. Quilombos no Brasil:
a memória como forma de reinvenção da identidade e territorialidade negra. S/D.
Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/coloquio2012/actas/08-S-Rezende.pdf .
Acesso: 05.12.2016.
Texto de :
Luiz Carlos Flávio
Professor do curso de Geografia da
Universidade Estadual
do Oeste do Paraná,
campus de Francisco Beltrão.