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CARTA DENÚNCIA E REPÚDIO DA SITUAÇÃO INDÍGENA NO OESTE DO PARANÁ - BRASIL



Nós lideranças indígenas, representantes de diferentes movimentos sociais (sindical, estudantil, popular, mulheres, negros, indígenas), dos Direitos Humanos da Região Oeste,  grupos de pesquisa da Unioeste e de outras instituições de ensino, militantes do Comitê de Lutas Sociais do Campo e Cidade, entre tantos outros lutadores/as solidários com a causa indígena, através desta Carta, vimos denunciar e repudiar o descaso do Estado Brasileiro (em todas as suas esferas de poder) diante da não demarcação de terras e à negação dos demais direitos sociais básicos de vida das nações indígenas. Vimos também denunciar e repudiar, à "dita sociedade civilizada", pelo preconceito e discriminação configuradas todos os dias contra os indígenas do Oeste do Paraná e demais regiões do Brasil.

Demarcação das terras indígenas e a negação dos direitos básicos à vida

A não demarcação das terras indígenas, prevista na Constituição de 1988, devido à omissão do Estado, subordinado aos interesses e pressões dos proprietários do  agronegócio mercantil, corresponde à centralidade da questão indígena no Brasil. A negação da demarcação é utilizada por todos os órgãos municipais, estaduais e federais como pressuposto para a negação dos demais direitos básicos de vida (subordinado à falta de legalidade dos serviços públicos). Conforme segue:

Repudiamos:
Os diversos órgãos públicos responsáveis, como Prefeituras da região, secretarias municipais, Núcleo Regional de Educação, Governo do Estado do Paraná através de suas secretarias estaduais, Sanepar, Copel e Itaipú, por sempre e insistentemente negar à população indígena local seus direitos básicos alegando terem que esperar a demarcação de suas terras.
Também repudiamos fortemente as ações da Bancada Ruralista, presente no poder legislativo federal, estadual e municipal por espalhar mentiras à respeito da demarcação de terras na região, com o objetivo claro de fomentar o ódio contra a população indígena.
Por fim, repudiamos ainda a ação de organizações da Sociedade Civil, como as associações comerciais, sindicatos rurais patronais, maior parte dos órgãos de imprensa regional por dar vazão e fomentar o ódio e a intolerância contra a população indígena.
Todos os acima repudiados, são responsáveis de uma ou outra maneira a submeterem a população Guarani do Oeste do Paraná às situações indignas e desumanas que denunciamos:
1- A negação do direito à alimentação básica, garantido pela Constituição Brasileira de 1988;
2- A negação do direito à saúde elementar, atendida com muita precariedade, muitas vezes chega em atraso ou não chega até aos pacientes nas aldeias.
3- A restrição ao acesso da educação fundamental às crianças das aldeias, faltando o básico do básico, como material escolar e principalmente merenda escolar, que quando fornecida resume-se à bolachas e sucos, além de uma completa ausência de estrutura, como carteiras, quadros, sala e cozinha. Em muitas aldeias falta o "projeto contra-turno", ou seja, o ensino básico em Guarani.
4- A negação do direito ao Saneamento básico sem água encanada e tratada, muito menos tratamento de esgoto, expondo os Guarani a constantes riscos de doenças, sendo as crianças os mais vulneráveis.
5- A negação do direito à instalação de energia elétrica, e onde ela existe é com extrema precariedade e improviso, da mesma forma expondo-os a riscos constantes de acidentes;
6- A negação do direito de ir e vir, por parte de alguns proprietários de terras, que impedem os indígenas, que por falta de vias de acesso, atravessem as lavouras em busca de água nos rios e minas, pesca e/ou busca por ervas medicinais.
7- A negação do direito à floresta, como uma das maiores dores do Guarani, a destruição das florestas e da natureza, devido ao avanço do agronegócio. A condição de vida Guarani, tendo na floresta o abrigo, alimentos e segurança, assim como a relação cultural/espiritual com a natureza que lhe foi expropriada. Não existe o ser Guarani sem sua floresta.
8- A negação do direito à vida saudável diante do abuso com agrotóxicos. A maioria das aldeias fazem divisa com lavouras de agricultores, onde o uso de agrotóxicos é frequente sem os devidos cuidados técnicos de maneira a expor ao risco a saúde das pessoas, dos animais e das árvores frutíferas. Há muitas denúncias de intoxicação das famílias indígenas devido ao uso abusivo com agrotóxicos no entorno das aldeias.
9- A negação do direito de registros dos indígenas. É constante a denúncia de que os cartórios se negam veementemente em registrar crianças e adultos guaranis da região, desta forma contribuindo para a negação do acesso aos demais diretos básicos de qualquer cidadão.
10- A negação do atendimento do poder público perante tragédias, como climáticas e acidentes. Como por exemplo, após um tornado atingir duas aldeias (Tatury e Mirim)  em Guaíra em agosto de 2016, onde as moradias foram devastadas, e perderam o pouco que tinham e mesmo assim, a pouca ajuda lhes foi prestada por parte dos órgãos responsáveis, apenas com lona e algumas telhas, mas sem auxílio na retirada de árvores, recuperação de alguns itens como roupas, cobertores e alimentos.
11- A negação do direito à igualdade, como resultado de uma política de propagação do ódio, resultando em preconceito, restringindo a possibilidade de trabalho, o acesso ao estudo, e dificultando as demais relações sociais (como por exemplo o preconceito sofrido no comércio e nas escolas) .
12- A lentidão do processo de demarcação das terras indígenas abre brechas para as constantes ações de reintegração de posse, que deixa os guaranis em situações de tensão e instabilidade permanente. Infelizmente, a Constituição Federal para os indígenas não passa de "letra morta".
13- Por fim, queremos denunciar, que toda esta situação, dolorosamente tem levado muitos Guarani a cometerem suicídio, tamanha a dor, humilhação, miséria e falta de perspectiva de superação no presente e no futuro. Por isso, com toda nossa força, queremos tornar presentes os inesquecíveis guerreiros (as) Guarani que não suportaram mais tamanha crueldade e se suicidaram:
- Carlito Araújo 19 anos (15-07-2010);
- Alair Velasquez 17 anos (13-09-2011);
- Octaciano Lopes Noceda 56 anos (12-04-2012);
 - Josimar Fátima Riquelme (05-12-2012);
 - Sidinei Medina 19 anos (10-04-2013);
 - Emerson Galeano 17 anos (13-06-2013);
 - Augustinho Barreto Benites 17 anos (01-01-2014);
- Holivanderson Alvares 19 anos (25-02-2015);
- Savino Rivarola 18 anos (27-03-2015);
- Rafael Montiel Santa Cruz 60 anos (06-07-2015);
- Cristina Benitez 19 anos (27–07–2015);
- Obs. Tivemos mais três suicídios indígenas após datas acima, cujos nomes ainda não foram identificados, 1 em 2015 na Tekoha Yhovy, 1 em 2016 na Tekoha Marangatu e mais 1 em 2016 na Tekoha Guarani.
Assinam: Comitê de Lutas Sociais Campo e Cidade; Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB-MCR); Centro Regional de Direitos Humanos PR; Laboratório de Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (GEOLUTAS); Intersindical (Instrumento de luta e organização da classe trabalhadora); Observatório da Questão Agrária no Paraná; Lideranças indígenas de GUAÍRA: Tekoha Karumbe'y – Cacique Ismael; Tekoha Mirim – Cacique Arnaldo; Tekoha Tatury – Cacique José Carlos; Tekoha Porã – Cacique Inácio; Tekoha Y’Hovy – Cacique Ilson; Tekoha Jevy – Cacique Anatálio; Tekoha Guarani – Cacique Terésio; Tekoha Marangatu – Cacique Inácio; TERRA ROXA: Tekoha Araguaju – Cacique Marciliano; Tekoha Yvy Porã – Cacique Milton; Tekoha Tajy Poty – Cacique Assunção;  Tekoha Yvyraty Porã – Cacique Raul;  Tekoha Pohã Renda – Cacique Gilberto;   Tekoha Nhemboeté – Cacique Libório;  SANTA HELENA: Tekoha Vy’a Renda – Cacique Ildo; ITAIPULÂNDIA: Tekoha Itacorá – Cacique Eládio.

 Marechal Cândido Rondon, 11 fevereiro de 2017.

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Um esforço coletivo do Observatório da Questão Agrária no Paraná junto a movimentos sociais e povos e comunidades que mostram a diversidade das relações, práticas e dos conflitos pela terra e território paranaenses.   Convidamos a todxs a se apropriar dessa leitura ampla e crítica sobre o campo no estado e esperamos que o Atlas seja objeto de leitura e divulgação, de uso como material didático e de formação, e acima de tudo que possa contribuir ao debate sobre o Paraná que temos e o que queremos.   Logo abaixo você pode clicar na imagem e Baixar o documento para ter acesso ao Atlas e desfrutar da leitura:  

NOTA DE REPÚDIO

A Rede de Pesquisadores sobre a Questão Agrária no Paraná, integrada por pesquisadores de oito universidades públicas do estado, vem a público manifestar preocupação em face do cerceamento do exercício profissional da Geógrafa e pesquisadora Márcia Yukari Mizusaki, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) por meio de ameaças motivadas pelo trabalho realizado junto às comunidades indígenas   do Município de Dourados, no Mato Grosso do Sul. À preocupação com esse que poderia ser um ato isolado, perpetrado por indivíduos que sentem-se à vontade para atentar contra os Direitos Constitucionais da servidora e dos indígenas, soma-se o repúdio à semelhante conduta do Jornal Diário MS, veículo de imprensa investido da tarefa pública de informação graças à concessão de que desfruta. A materia "Índios ampliam invasões de propriedades em Dourados", assinada por Marcos Santos, publicada no dia 22 de agosto último, é um exercício explícito de incitação à intolerância étnica