Ilegalidade dá área é denunciada há mais de 20 anos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Franciele Petry Schramm
Brasil de Fato | Curitiba (PR),
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) declarou, nesta
terça-feira (1), que os títulos de propriedade da Fazenda Rio das
Cobras, da madeireira Araupel, são nulos. A decisão foi tomada por
quatro votos a um, em Porto Alegre, e responde a uma demanda histórica
dos movimentos sociais na região Centro Sul do Paraná.
A determinação é resultado de uma ação judicial movida pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2014. Há dez
anos, o Instituto contestava a validade dos títulos do imóvel localizado
entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu.
A decisão do TRF-4 confirmou a sentença de primeira instância, de 2015, quando os títulos foram declarados nulos pela juíza de 1ª Vara Federal de Cascavel.Com o resultado, a União deve retomar a posse da terra.
A decisão do TRF-4 confirmou a sentença de primeira instância, de 2015, quando os títulos foram declarados nulos pela juíza de 1ª Vara Federal de Cascavel.Com o resultado, a União deve retomar a posse da terra.
Reforma agrária
A ilegalidade da área é denunciada há mais de 20 anos pelo Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que ocupa cerca de 10 mil hectares da
fazenda. Desde 2015, quase 1.500 famílias estão organizadas no
acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu, e reivindicam o uso
daquele terreno para a reforma agrária.
Para o coordenador estadual do MST, Diego Moreira,a decisão do TRF-4 é
uma importante vitória, ainda que a Araupel possa recorrer da decisão
no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo ele, mesmo que os
recursos judiciais não tenham se esgotado, o resultado em segunda
instância reforça que as terras pertencem à União. “O que o movimento
reivindica agora é que o Incra e o Governo Federal assegurem o
assentamento das famílias, antes mesmo que o processo judicial tenha
fim”, avalia.
Em audiência pública realizada em março deste ano, o Incra se
comprometeu a destinar a área para a reforma agrária. O Instituto
apontou que, caso a Justiça determinasse que as terras não pertenciam à
União, a área seria adquirida para a criação de assentamentos.
Região de conflitos
O impasse sobre a posse daquela terra está relacionado a vários
crimes cometidos nos últimos anos na região. Desde a ocupação das terras
pelo MST, quatro trabalhadores sem terra foram assassinados – dois
deles em um massacre promovido pela Polícia Militar em 2016. Outras nove
pessoas também foram presas, sete delas no último ano, em uma das
maiores operações de criminalização dos movimentos sociais do país, a
chamada Operação Castra. “Essa situação tem causado prejuízos gigantescos para as famílias que
fazem a luta pela terra”, analisa Moreira. “E a forma de o governo
reparar essa situação é criar assentamentos”.
Advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Fernando
Prioste avalia que o reconhecimento de que a retomada das terras pela
União também deve contribuir para a pacificação dos conflitos e para
melhoria na vida dos acampados. “Se antes o poder da empresa era quase
que absoluto na região, agora são os trabalhadores e trabalhadoras que
terão em suas mãos o poder de produzir o próprio sustento com autonomia e
dignidade, garantindo ainda alimento saudável para a população da
região”, aponta.
Entenda o caso
A ação movida pelo Incra é baseada em um estudo dos títulos da
Fazenda Rio das Cobras, realizado em 2004. No mesmo ano, o Instituto de
Reforma Agrária pediu a nulidade de parte dos títulos do imóvel. Em
2014, estendeu a ação para todo o restante da área da fazenda. No mesmo
ano, famílias sem-terra ocuparam a área e criaram o acampamento
Herdeiros da Terra de 1º de Maio.
Ocupação das áreas da Araupel foram registradas pelo fotógrafo Sebastião Salgado, em 1996 / Foto: Sebastião Salgado
A origem do conflito das terras remete ao ano de 1889, quando um
decreto imperial cedeu a área para a então Companhia da Estrada de Ferro
São Paulo-Rio Grande (CEFSP-RG) pela construção de uma ferrovia. Pelo
fato de a empresa não ter realizado as obras prometidas, a União
declarou expirada, em 1931, as concessões feitas para a CEFSP, e
reincorporou a área ao patrimônio da União. Anos depois, em 1944, o
estado do Paraná revalidou os títulos da empresa.
Na década de 1970, a Giacomet Marodin – empresa que nasce da fusão de
grupos do ramo madeireiro - incorporou parte das terras exploradas pela
CEFSP, e se apoderou das Fazendas de Pinhal Ralo e Rio das Cobras.
Juntos, os títulos de propriedade somavam mais de 100 mil hectares, e
formavam o maior latifúndio de terras do Sul do Brasil. Em 1997 a
Giacomet Marodin altera sua razão social e passa a ser chamada de
Araupel S/A.
Pela irregularidade da área, o MST decide ocupar as duas fazendas, em
1996. Três mil famílias formaram a maior ocupação de terras da história
da América Latina. A ação foi registrada pelo fotógrafo Sebastião
Salgado, e publicada no livro Terra.
Entre 1997 e 1998, o Incra desapropriou cerca de 25 mil hectares da
Fazenda Pinhal Ralo. No local, foram criados os assentamentos Ireno
Alves e Marcos Freire que, atualmente, abrigam em torno de 7 mil
pessoas.