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O que há por trás da energia que consumimos? Relato da visita a uma comunidade atingida pela construção da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu


Foto: bandeira do MAB na comunidade visitada, símbolo da resistência das famílias contra a UHE Baixo Iguaçu.

Imagine alguém chegar à sua casa e te avisar que você vai ter que se mudar, pois uma usina hidrelétrica esta sendo construída, e sua casa vai ser alagada, e também as casas dos seus vizinhos e de toda a sua comunidade. Junto a esta notícia, você não recebe nenhuma garantia de que vai conseguir ter outro lugar para morar, plantar, trabalhar ou de que você possa continuar convivendo com as pessoas que você conhece há muito tempo. Parece absurdo? Mas foram relatos deste tipo que estudantes de Geografia da UFPR puderam ouvir durante o trabalho de campo da disciplina de geografia rural, entre os dias 23 a 25 de junho de 2017 nas regiões sudoeste e centro-sul do Estado do Paraná.

No dia 23 de junho, desde as primeiras horas da manhã foi realizada a primeira visita do trabalho de campo nas comunidades de Hortelã, São João e Malvari na divisa dos municípios de Capitão Leônidas Marques e Capanema, região sudoeste do Paraná, onde foi possível entender a situação complicada em que se encontram as famílias atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu e que historicamente vêm sofrendo pressão com a instalação de outras Usinas Hidroelétricas (UHE) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na região. A UHE Baixo Iguaçu começou a ser construída em 2013, pelo consórcio Neoenergia (70%) que está formado pelo Fundo de Previdência do Banco do Brasil, Banco do Brasil e a multinacional espanhola Iberdrola e a Copel (30%). O megaempreendimento vai custar R$1,59 bilhões, mas há mais de três anos que as famílias atingidas pela UHE Baixo Iguaçu, aproximadamente 1.025 famílias, buscam respostas aos problemas causados pela construção da usina. E ao contrario do que os porta-vozes do empreendimento afirmam, os atingidos têm encontrado grandes dificuldades para garantir a realocação e condições dignas de recomeçar a vida em outro lugar.

Segundo relatam as famílias que receberam o grupo da UFPR, foram dezenas de reuniões, encontros e negociações, em que os compromissos assumidos, os prazos e pautas não foram cumpridos. Empresa e governo do Estado não garantem soluções efetivas.
Foto: estudantes do curso de geografia da UFPR nas terras que serão alagadas pela UHE Baixo Iguaçu

Além dos problemas relacionados à construção desta usina, as famílias relatam os problemas enfrentados em 2014, com a enchente causada pela abertura de uma das comportas da Usina de Salto Caxias, instalada também no rio Iguaçu entre os municípios de Capitão Leónidas Marques e Nova Prata do Iguaçu, que em função das chuvas abriu suas comportas e ocasionou uma enxurrada que varreu várias casas que estavam alocadas perto da margem do rio. Na época, a Copel, responsável pela UHE, não avisou os moradores que estaria abrindo uma das comportas, e muitos deles acabaram perdendo tudo que tinham, em poucas horas o nível do rio subiu muito, e somente 14 meses após o ocorrido as famílias começaram a receber as indenizações. Houve mais de 400 famílias afetadas pela enchente e durante o trabalho de campo foram visitados vários locais que foram alagados. Entre os relatos dos moradores sobre este incidente, destaca-se a falta de notícias e orientações sobre o que fazer e a luta necessária para conseguir uma indenização. Abaixo segue o link de duas notícias sobre o caso. A primeira que mostra um vídeo da enchente e a segunda que noticia a comemoração dos atingidos pelas indemnizações conseguidas.

Vídeo mostra momento em que água de hidrelétrica invadiu casas, no PR (10/06/2014) 


Encontro marca a vitória dos atingidos pela enchente no Paraná (01/12/2015)


Na visita, os estudantes dialogaram com as famílias que terão suas terras alagadas e conheceram as propriedades que ficarão parcialmente ou totalmente, inclusive comunidades que ficarão inteiramente embaixo da água. 

Umas das reinvindicações dosmoradores trata-se do Reassentamento Rural Coletivo, uma forma de manter a comunidade ainda viva, morando em uma zona próxima, porém a solicitação foi negada pela empresa. Os atingidos também relataram que tiveram que solicitar novo estudo de impacto socioambiental, já que o primeiro além de ser muito superficial apresentava dados divergentes da realidade, principalmente relacionado ao número de famílias atingidas. Conforme consulta ao Estudo de Impacto Ambiental da empresa disponível no site do Instituto Ambiental do Paraná, a usina vai alagar 2.558 hectares de terras, atingindo em torno de 340 propriedades. Já o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), base da organização social dos afetados, afirma que o número de atingidos no local é bem maior, em torno de 800 famílias. Pequenos proprietários que têm na produção de suas terras a sua principal fonte de renda e sustento.

Inúmeras mobilizações foram organizadas, como paralisações, ocupações, etc. o que acabou apresentando alguns ganhos, como o aumento do valor da indenização para as famílias etc. No entanto, o que mais se escutou durante a visita são os métodos coercitivos que a empresa e suas subsidiárias utilizam para amedrontar os proprietários e fazer com que desistam de continuar resistindo e vendam suas terras à empresa pelos preços injustos que lhes oferecem.

Mas ficou muito claro, que apesar dos problemas e das pressões, a luta continua. Uma luta que não é apenas contra a construção da usina ou pelo pagamento de forma justa de indenizações. Seguem caminhando no presente vivendo um dia de cada vez, à sombra da perversidade do capital, sem saber o que o futuro lhes reserva, mas com o anseio de continuar reforçando sua comunidade.

 Foto: comunidade e estudantes do curso de geografia (UFPR) em propriedade da família que será atingida pela UHE.
Como o poeta já dizia “para todo fim há um começo”, sempre há novos começos. Essa luta é em primeiro lugar por dignidade, por autonomia de se poder escolher um futuro para a própria família e os filhos, mas também por uma sociedade que discuta seriamente quais são os custos de produzir energia a qualquer custo.

Muito obrigado à comunidade de atingidos por ter-nos recebido e compartilhado os saberes e experiências tão essenciais. Juntos seguimos em frente, na espera de dias menos sombrios.

Água e energia não são mercadorias!!!

Coordenação do trabalho de campo da disciplina geografia rural 2017, curso de geografia UFPR, Curitiba e Lapa, julho 2017

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