Daia Gemelli
Silas Rafael da Fonseca
UNESPAR – Campus União da Vitória
No último dia 20 de outubro
comemorou-se o centésimo segundo aniversário do término da Guerra do Contestado.
Naquele dia 20 de outubro de 1916 estiveram reunidos Wenceslau Brás (presidente
da República), Affonso Alves de Camargo (governador do Paraná) e Filipe Schmidt
(governador de Santa Catarina) para a assinatura do Acordo de Limites entre os
dois estados.
Contudo, partimos do
entendimento que o Contestado está em guerra, isso porque os elementos que
levaram a deflagração deste conflito permanecem configurando a realidade
territorial.
Eduardo Galeano sinaliza que
as terras eram um negócio adicional à construção da ferrovia São Paulo – Rio
Grande trazendo desdobramentos à população que vivia na região, “o fabuloso presente concedido em 1911 à
Brazil Railway significou o incêndio
de um sem-número de cabanas e a expulsão ou a morte das famílias camponesas
assentadas na área da concessão” (GALEANO, 2014, p. 282).
O professor Nilson Cesar Fraga, que é a principal referência na geografia brasileira a discutir a Guerra do
Contestado, afirma que a posse da terra perdida e o pinheiro roubado,
desesperavam milhares de caboclos que não tinham para onde se dirigir, pessoas
sem um lugar para morar e algo para se sustentar, sendo este o elemento central
que leva a deflagração da Guerra (FRAGA, 2006).
Vinhas de Queiroz (1966, p.
02), é enfático ao dizer, “importa observar que foi aqui, no apogeu de tais
lutas, que pela primeira vez na nossa história as massas camponesas
manifestaram clara consciência da necessidade de garantir o seu direito de
terra”.
Neste cenário o Contestado
segue em luta pelo direito à terra. Terra que sirva para a existência social,
para a sociabilidade, para o trabalho, para a cultura, para que, enquanto
homens e mulheres sejam caboclos e caboclas, camponeses e camponesas.
O
Contestado paranaense é formado pelos municípios de: Bituruna, Cruz Machado,
General Carneiro, Palmas, Paula Freitas, Porto Vitória, Rio Negro e União da
Vitória que possuem como elementos conformadores de seus territórios, além da Guerra
do Contestado, a opção econômica pela madeira, primeiramente a madeira nativa e
após a década de 1970 a monocultura do pinus, e alguns indicadores sociais que
configuram a região como uma das mais pobres do sul do Brasil. Nesse sentido, destacamos
o índice de vulnerabilidade (compreende pessoas que tenham renda per capita de até meio salário mínimo) à
pobreza de Cruz Machado (48,91%), General Carneiro (48,39%) e Bituruna (44,51%)
(Atlas Brasil, 2010). As Tabelas 1, 2 e 3 nos ajudam a compreender outro
elemento que permanece no Contestado, a concentração de terras.
Como mostram as tabelas 1, 2 e
3 constatamos que a concentração de terras ainda permanece na região. Em General
Carneiro, 44,95% das terras declaradas ao INCRA - Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária pertencem a 24 imóveis que representam apenas 0,64 % do total
de imóveis do município, enquanto que aqueles com até 50 hectares equivalem a
73,31% do total de imóveis, porém ocupam apenas 12,8% da área declarada. Essa
realidade também está presente no município de Cruz Machado, em que 10 imóveis
(0,24%) controlam 17,16% da área declarada e aqueles com até 50 hectares, que
representam 89,55% do total de imóveis declarados, ocupam 52,13% das terras. Já
em Bituruna são 12 imóveis (0,64%) com mais de 1.000 hectares que controlam 24,67%
das terras, em contrapartida aqueles com até 50 hectares somam 1.377 imóveis (73,32%)
e ocupam apenas 23,48% das terras. Isso significa que 1.377 imóveis ocupam
menor área de terra do que a soma das áreas dos 12 imóveis.
A guerra continua, pois, a
terra ainda pemanece concentrada no Contestado. Nesse cenário as resistências
também permanecem, de modo que em Bituruna e General Carneiro os imóveis com até
50 hectares, em parte, decorrem do processo de luta pela terra que permitiu a
presença de assentamentos de reforma agrária.
A expulsão dos caboclos e das
caboclas das terras de posse foi o elemento central da Guerra do Contestado,
passados mais cem anos do término oficial da Guerra entendemos que a negação à terra, ao território e a dignidade da população cabocla faz com que ainda
estejamos em guerra, a vida no Contestado permanece sendo sofrimento, sofre-se
porque ao terem terra e território negados também nega-se o trabalho, as dinâmicas
produtivas e culturais, a alimentação, a educação, a saúde e o lazer, enfim,
nega-se a vida digna e plena de sentidos.
Referências
Bibliográficas
ATLAS BRASIL. Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/>.
Acesso em 05 de novembro de 2018.
FRAGA, Nilson Cesar. Mudanças e permanências na rede viária do Contestado: Uma abordagem
acerca da formação territorial no Sul do Brasil. (Tese de Doutorado em Meio
Ambiente e Desenvolvimento). Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Tradução de Sergio Faraco. –
Porto Alegre: L&M, 2014.
VINHAS DE QUEIROZ, Maurício. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado
(1912-1916). – Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966.