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Vitória popular: STF determina regime de proteção às comunidades ameaçadas de despejos e remoções


Foto: Giorgia Prates 

 

Despejos só podem ocorrer após criação e atuação de comissões para mediação de conflitos fundiários pelos Tribunais.      

Comunicação Despejo Zero – Terra de Direitos 

 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por maioria, nesta quarta-feira (02), pela instalação de um regime de transição para analisar todos os processos que tragam ameaça de despejos e remoções a famílias vulneráveis. Estas comissões deverão realizar inspeção judicial, com visita à área ocupada, e audiência de mediação em todos os casos, mesmo aqueles em que já havia mandado expedido. A decisão ocorre dentro do âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. 

De autoria do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em parceria com movimentos e organizações integrantes da Campanha Nacional Despejo Zero, a ação foi protocolada em abril de 2021 e trata da suspensão dos despejos e remoções enquanto durar os efeitos da pandemia da Covid-19 e da crise social.  

“Ainda que no cenário atual a manutenção integral da medida cautelar não se justifique, volto a registrar que a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo", afirmou o ministro relator da ação, Luís Roberto Barroso. “Sob o ponto de vista socioeconômico, ainda que o cenário atual seja de arrefecimento dos efeitos da pandemia da Covid-19, é grave o quadro de insegurança habitacional”, aponta Barroso. “É preciso considerar que a retomada das desocupações atinge parcela particularmente vulnerável da população, atraindo especial cautela”, complementa o ministro, destacando o aumento da fome e queda de renda da população mais empobrecida.  

Na decisão, o ministro determinou que: 

1. Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais devem instalar, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio aos juízes. De início, as comissões precisam elaborar estratégia para retomar decisões de reintegração de posse suspensas, de maneira gradual e escalonada; 

2. As comissões de conflitos fundiários devem realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer decisão para desocupação, mesmo em locais nos quais já haja decisões que determinem despejos. Ministério Público e Defensoria Pública devem participar; 

3. Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, e as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas para resguardo do direito à moradia, proibindo em qualquer situação a separação de integrantes de uma mesma família. 

O Ministro ressaltou que “os juízes devem ponderar os impactos sociais da execução das reintegrações de posse e atuar, nos limites da sua jurisdição, a fim de evitar ao máximo a violação de direitos fundamentais”. Barroso também orientou a magistratura à observância da Recomendação nº 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que remete à Resolução nº 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos 

De acordo com Ayala Ferreira, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, movimento integrante da Campanha Despejo Zero, a decisão de criação de regime de transição é importante neste momento de aumento da vulnerabilidade social por conta da “possibilidade de se criar canais de diálogo entre as partes interessadas com a mediação do estado por meio dos agentes dos poderes judiciário e executivo. Se as comissões instituídas nos tribunais de justiça e tribunais regionais federais forem sérias e comprometidas com a decisão, poderemos evitar muitos conflitos que colocam as famílias de trabalhadores rurais e urbanos em situação de extrema vulnerabilidade”.  

Benedito Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e Central dos Movimentos Populares (CMP) e também integrante da Campanha, afirma que “a decisão do ministro é positiva na medida em que estabelece uma trégua em relação a uma avalanche de despejos que poderia acontecer já a partir do último dia 31 de outubro, definindo obrigações muito claras para os tribunais de justiça em relação a comissões de conflitos, como inspeções judiciais e que estas comissões devem estabelecer estratégias, com um escalonamento dos casos e discussão junto às comunidades e garantia de moradia ou viabilização de abrigos para que as famílias não sejam colocadas na rua”.  

“Não dá mais para o Judiciário brasileiro promover reintegração de posse sem conhecer a realidade dos conflitos, onde milhares de famílias são punidas em uma situação que a legalidade não é cumprida por quem se diz proprietário, quando não se garante função social da propriedade e muitas vezes se deve ao Estado, etc. A decisão do STF, após pressão dos movimentos e organizações, abre espaço para um novo momento de garantia do direito à moradia, com espaços institucionais definidos, com escuta à população atingida e construção de soluções para o problema da moradia. Agora, chegou a hora de uma força-tarefa por parte dos Tribunais de Justiça, que devem também contar com o apoio dos Governos na garantia de uma política de moradia e mediação democrática de conflitos”, destaca o integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Rud Rafael.  

Daisy Ribeiro, assessora jurídica da Terra de Direitos, destaca que “a decisão do Ministro Barroso, ao orientar que a iniciativa da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná seja exemplo para o Brasil, reforça a importância da mediação a qualquer momento do processo e a busca por soluções que garantam os direitos humanos em conjunto com o Poder Público, como apontamos na petição ao mencionar o caso da comunidade José Lutzenberger”.  

Para todos os integrantes da Campanha, será essencial acompanhar nos Tribunais de Justiça estaduais e federais o cumprimento das determinações da decisão do STF.  

O voto do ministro foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Apenas os ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro, divergiram, para negativa total dos pedidos.  


Famílias ameaçadas 

Em decisão vigente até 31 de outubro, o ministro Barroso havia suspendido medidas administrativas ou judiciais que resultassem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de ocupações realizadas até 20 de março de 2020. No novo pedido feito à Corte, o PSOL e a Campanha Despejo Zero solicitaram, além da prorrogação da suspensão por mais seis meses, a adoção de outras medidas para os conflitos fundiários. O pedido de extensão não foi acolhido pelo ministro relator, porém ele trouxe novas condicionantes para um tratamento mais adequado dos conflitos fundiários pelo poder judiciário.  

A liminar que determinou anteriormente a suspensão de despejos - prorrogada por três vezes pelo ministro relator - foi fundamental para assegurar que as famílias ficassem em suas casas no período mais crítico da intensa crise epidemiológica que o país viveu. A Campanha aponta que, devido à suspensão de despejos em razão da ADPF 828, ao menos 151 mil pessoas foram protegidas de despejos forçados.  

Com efeitos que perduram após o abrandamento atual da pandemia, tais como aumento do preço do aluguel e de alimentos, a adoção de medidas de transição é apontada pela Campanha como fundamental para a garantia de direitos. De acordo com o recente levantamento realizado pela Campanha Despejo Zero há cerca de 190 mil famílias em risco de despejo ou remoção no país, ou seja, 898 mil pessoas. Com o corte de 98% no orçamento para a produção de novas moradias, realizado pelo governo federal, e com um déficit habitacional de quase 6 milhões de domicílios, a adoção de medidas para assegurar direitos para este grande contingente populacional é defendida como central. 


A Campanha Despejo Zero 
A Campanha Nacional Despejo Zero é uma articulação que reúne 175 organizações sociais, movimentos sociais e coletivos rurais e urbanos para atuar contra os despejos e remoções de famílias do seu local de moradia. A iniciativa foi lançada em julho de 2020, em razão da pandemia da Covid-19 e do agravamento da crise social, e aborda um problema estrutural das cidades e do campo brasileiros: a falta de moradia adequada para todos, resultado da ausência de políticas de reforma agrária, reforma urbana e de titulação de territórios. 

 

Leia a matéria na íntegra em: 

Fonte: Terra de Direitos 

 

 

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