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Declaração do GT Desenvolvimento Rural: Estudos Críticos do CLACSO
POR UMA DEMOCRACIA SUBSTANTIVA NO BRASIL

O Grupo de Trabalho de Desenvolvimento Rural: Estudos Críticos, do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), vem a público manifestar seu mais completo repúdio e rechaço ao golpe de Estado consumado no Brasil, no dia 31 de agosto de 2016. O Senado brasileiro, composto hegemonicamente por representantes das elites latifundiárias e empresariais e dos partidos conservadores comprometidos com as políticas neoliberais de ajuste estrutural, condenou a presidenta da República Federativa do Brasil, Dilma Vana Roussef, a perda do seu mandato por um motivo absolutamente infundado: um suposto crime de responsabilidade fiscal.

As longas sessões do julgamento demonstraram que os decretos emitidos pela presidenta não se configuraram em crime de responsabilidade fiscal, porque não feriram a lei orçamentária, nem a lei de responsabilidade fiscal do país. A emissão desse tipo de decreto foi prática corrente de governos anteriores e serão no governo Temer, porquê, somente dois dias após o impeachment de Dilma, o mesmo Senado aprovou legislação para impedir que o presidente que assumiu com o golpe perca o mandato pelo mesmo motivo.

O julgamento se realizou como um verdadeiro teatro processual . De fato, o resultado já estava definido a priori, independente do que argumentava a competente defesa da presidenta. Os senadores declararam publicamente seus votos a favor do impeachment antes do julgamento, assim como ocorrera com a votação da primeira etapa do processo na Câmara Federal no mês de abril de 2016. Evidenciando que a cassação do mandado de Dilma foi uma articulação entre os setores das elites conservadoras, que traçou um julgamento notadamente político em que o ódio de classe, os discursos fascistas e a ganância pelo Poder sobrepuseram a justiça e o respeito à vontade popular manifestada nas urnas.

Denunciamos que a farsa da condenação da presidenta da República, eleita democraticamente com 54 milhões de votos foi desmascarada ainda no plenário do Senado durante a votação, quando a base aliada do governo interino se fraturou e não cassou os direitos políticos de Dilma. Esta situação revela que o crime de responsabilidade de fato não ocorreu. Inclusive, minutos depois da aprovação do impeachment, alguns senadores declaravam para os meios de comunicação que reconheciam não haver materialidade comprobatória da existência de crime de responsabilidade, necessário para cumprir os critérios constitucionais para justificar o impeachment. Contudo, a direita aproveitou a grave crise econômica brasileira e a fratura na base aliada de Dilma para destituir o Partido dos Trabalhadores do governo.

Desde o final dos anos 2000, a crise estrutural do capital se aprofundou e rebaixou as taxas de lucro nos diferentes setores e ramos da produção no mundo inteiro. Os Estados Nação foram convocados pelos organismos financeiros internacionais a injetar vultosos contingentes de dinheiro para socorrer os bancos e capitalistas. 

No caso brasileiro os governos do PT adotaram um conjunto de medidas de contenção da crise mediante a realização de empréstimos financeiros ao Fundo Monetário Internacional, a desoneração do setor produtivo, investimentos financeiros públicos na fusão de capitais para constituição de corporações capitalistas brasileiras com potencial de acumulação global, disponibilização de créditos para a sociedade com vistas à manutenção do padrão de consumo imediato, ademais de amplo programa de implantação de infraestrutura regional (Plano IIRSA e PAC) associados aos mega eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas). Nesse sentido, fica evidente que os governos petistas estavam longe de serem governos que contrariavam interesses do capital. Mas faziam uma mediação que tornava mais gradual a implementação de medidas exigidas pelas elites.

Esta política de conciliação chegou a um limite e diante da incapacidade das politicas petistas blindarem a economia nacional dos desastres provocados pelo aprofundamento da crise estrutural do capital, a burguesia industrial e financeira e os grandes proprietários de terra (que se arvoram em autodeclarem como agronegociantes) se articularam para destituir o governo de Dilma e assumir o controle do Estado, provocando a drástica ruptura com a agenda eleita pelo sufrágio universal.

O Golpe de Estado pela via institucional no Brasil destrói as bases da jovem democracia brasileira e restaura um período sombrio de célere implementação de políticas de privatização de serviços e do patrimônio público e de retirada de direitos de trabalhadores e trabalhadoras, para viabilizar a intensificação do processo de acumulação de capital. Esse golpe parlamentar, com o explícito apoio dos grandes grupos de comunicação, particularmente da Rede Globo, abre precedentes gravíssimos para os países da América Latina e Caribe. O parlamento brasileiro ensinou como encontrar artifícios para legitimar o desrespeito à vontade popular.

No horizonte dos golpistas está a corrida pela implantação de medidas de política que abram a oportunidades de formas de acumulação capitalista por espoliação, mediante a privatização da previdência pública (a reforma da previdência foi a primeira anunciada pelo presidente golpista após a aprovação do impeachment) e o direcionamento de investimentos lucrativos para o capital transnacional em áreas como petróleo, energia hidrelétrica e o visado pré-sal do país. Note-se a aprovação pela Câmara dos Deputados da Medida Provisória 727/2016, que institui um amplo programa de Parcerias Público-Privadas e Privatização do Estado, no mesmo dia do golpe de Estado.

Neste cenário, se intensifica a questão agrária no país. Uma das primeiras medidas adotadas por Temer, quando assumiu como interino, foi acabar com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e paralisar as poucas ações de desapropriação de terras, assim como a titulação de territórios indígenas e quilombolas. Agora se coloca na pauta a liberação da venda de terras a estrangeiros como possibilidade de trancafiamento da natureza, eliminação do programa de reforma agrária da agenda nacional e a titulação alienável dos lotes dos assentamentos de reforma agrária. E, já está em curso o acirramento da antiga prática de criminalização dos movimentos sociais, mediante artifícios espúrios de associação das lutas sociais à organização criminosa e atos terroristas, inclusive com a prisão de lideranças do MST enquadradas na Lei Antiterrorismo.

Diante destes fatos, nós pesquisadores/as do Grupo de Trabalho Desenvolvimento Rural: Estudos Críticos, do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), não podemos ter outro posicionamento que não seja nos somarmos às forças políticas progressistas do Brasil e do conjunto da América Latina na luta pela Democracia Substantiva no país, na luta pelo FORA TEMER.

Nossa América/Aby Ayala, 7 de Setembro de 2016

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