UNIOESTE, Marechal Cândido Rondon, 15/11/2016
Nós, Camponeses,
Estudantes, Indígenas, Pesquisadores e Professores da Educação Básica, de
diferentes regiões do Estado, presentes na IV Jornada de Pesquisas sobre a Questão
Agrária no Paraná, vimos a público denunciar e expressar nossa preocupação com o
retrocesso de instrumentos jurídicos, Políticas, Programas e outras medidas ligadas
ao campo e que foram objeto de intenso debate durante a Jornada.
A atual
destruição de instâncias internas ao Estado brasileiro que tinham por
atribuição a garantia de direitos inalienáveis constitucionalmente garantidos aos
sujeitos do campo, - a exemplo das populações indígenas, povos tradicionais e
camponeses beneficiários da reforma agrária e pequenos agricultores de um modo
geral -, é medida de extrema gravidade, que vulnerabiliza em massa a população
do campo e da cidade, impondo recessão econômica e fazendo ruir conquistas
sociais.
Segundo o
Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na última década, a
expansão da agricultura capitalista, falsamente confundida com agronegócio, consumiu,
em média, 87% dos recursos públicos destinados ao campo. Contudo, há que
destacar que o extraordinário impacto dos parcos 13% de investimentos na
agricultura dos pobres, foram determinantes para a exclusão do Brasil do mapa
da fome no mundo, fato ocorrido em 2014, conforme anunciado pela Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
No
contexto dos impactos econômicos virtuosos como o dos mercados institucionais,
traduzidos em aumento da produção de alimentos saudáveis para a cidade e o
campo e que, pela primeira vez na história do país, chegou às escolas,
hospitais e feiras que alimentam o povo brasileiro, houve melhoria das
condições de vida das populações do campo e das cidades e construção dos
princípios de sustentabilidade garantidos pela expansão da agricultura agroecológica,
acesso à Educação do Campo, reconhecimento identitário, entre outros. Esses
feitos se deram amplamente ancorados em políticas públicas focadas no
Desenvolvimento Rural, mas que na prática, desdobraram-se em Desenvolvimento
Local, em função de basear-se na agricultura lastreada na produção de alimentos
saudáveis e geração de empregos.
No
entanto, a recente intensificação do processo de criminalização dos movimentos
sociais do campo e a invisibilização da produção camponesa que, segundo o
próprio Estado brasileiro (IBGE, 2012), contribui com 38% do faturamento
agropecuário brasileiro, têm sido utilizadas para justificar a retirada dos
recursos e a destruição dos direitos dos marginalizados de sempre. Ao mesmo
tempo, o reconhecimento das diversas identidades de povos e comunidades
tradicionais não tem servido para um reconhecimento dos seus territórios, ao
contrário, diversas PEC’s estão sendo tramitadas para acabar com essa
possibilidade.
Assim,
vivenciamos um processo de retrocesso que nos preocupa e nos instiga a
apresentar denúncias, com base em nossa presença cotidiana no campo, por meio
de pesquisas, inúmeras ações extensionistas e processos educativos por nós
desenvolvidos.
DENUNCIAMOS,
em primeiro lugar, a situação de descaso e repressão que sofrem os povos
indígenas na região Oeste do Paraná. Após visitar, durante o evento, quatro
aldeias de Terra Roxa e Guaíra (Tekoha Yvyporã, Tekoha Tatury, Tekoha Mirim e
Tekoha Karumbey) registramos múltiplos direitos humanos, sociais e territoriais
desrespeitados e vulnerabilizados que expomos a seguir:
- O
Estado brasileiro está se retirando de cumprir com suas obrigações fundamentais:
por exemplo, na Tekoha Yvyporã há uma semana que a Sanepar não enche a caixa
d’água; todas as aldeias sofrem com a demora do encaminhamento médico, que
coloca em risco a vida dos indígenas (até foram relatados casos de mortes por
falta de atendimento médico de urgência); não são fornecidos com regularidade
remédios básicos para enfrentar as doenças; especialmente grave é o caso da
obrigação de deslocar as mães em trabalho de parto para a cidade de Maripá (a
mais de 80 km) quando poderiam ser encaminhadas para Guaíra (a menos de 20 km);
a Copel não instalou redes de energia elétrica nas aldeias; as escolas com suas
infraestruturas precárias não recebem merenda, mobiliário adequados e nem materiais
em tempo para poder realizar as atividades didáticas, forçando os professores
indígenas a arcar com a compra dos mesmos; o Estado dificulta o registro civil
dos indígenas que tem que se deslocar até Guarapuava-PR (aprox.. 400 km) ou até
o Mato Grosso do Sul para poder obter documentos. Tais registros são usados
contra os mesmos posteriormente, pois lhes negam direitos pelo fato da documentação
os colocarem na condição de “estrangeiros”; a Fundação Nacional do Índio(FUNAI)
e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) funcionam precariamente, sem
orçamento, sem funcionários suficientes e sempre com ameaças, cada vez mais intensas,
de serem fechadas.
- Para
além da sociedade, na institucionalidade do Estado (escolas, hospitais, postos
de saúde, sistema judiciário, entre outros) foram relatadas contínuas formas de
tratamentos e abordagens preconceituosas contra os povos indígenas da região;
- Existem
contínuas ameaças físicas e verbais aos indígenas por parte de bandos armados
(milícias), compostas por pistoleiros, jagunços e pelo próprio aparelho
repressor do Estado, capitaneados por proprietários rurais e suas organizações
(Sindicatos Patronais, ONGDIP - Organização Nacional de Garantia ao Direito de
Propriedade, etc.) que são contra os direitos dos indígenas. Por outro lado, boa
parte da população em geral acaba incorporando esse discurso, ao ser
influenciada por campanhas mentirosas de desprestígio contra as formas de viver
indígena e contra seus direitos ao território.
- Os
indígenas da região estão sofrendo o envenenamento continuo por agrotóxicos, em
virtude da proximidade das terras plantadas de soja (foram observadas moradias
a menos de três metros das lavouras). A água a que têm acesso, quando isso
ocorre, está contaminada pelo uso de venenos, que também matam suas próprias
lavouras e seus animais. Os indígenas não têm acesso a áreas de florestas que
possam viabilizar seus modos de vida e ser fonte de alimentos, de remédios, de
práticas religiosas ancestrais e de materiais para construção de suas moradias e
de seus utensílios cotidianos.
- O maior
descaso, violência e problemas recaem na demora injustificada do trâmite da
demarcação das terras indígenas que colocam os referidos sujeitos em situação
de vulnerabilidade e interdição de direitos. A demarcação das terras deve ser
imediata para que se possam atender as demandas dos direitos e das necessidades
indígenas. Assim, deve-se pensar com eles sobre seus direitos ao território de
vida. Porém, a demarcação deve vir acompanhada de outras medidas que ajudem a
consolidar os direitos indígenas e, sobretudo, de outras voltadas à sociedade
em geral para que se dê um passo à frente para (re)conhecer e para entender os
diferentes, porém semelhantes, que são os indígenas.
São
tantos os direitos desrespeitados que até parece que não há solução, mas a tristeza,
a dignidade e a firmeza com que os povos indígenas nos relataram sobre suas
lutas e suas re-existências e também os sorrisos e brincadeiras das crianças
nos fazem sair desse evento com a certeza de que a sua luta é a nossa, que a
defesa de uma sociedade brasileira melhor passa pela garantia dos seus direitos
territoriais, mas também de suas formas de vida que nos ensinam valores
fundamentais a cada dia.
Essas
denúncias confrontam um modelo de campo baseado em uma macroeconomia enganosa
que mantém os desequilíbrios e as desigualdades, os monopólios e os lucros para
poucos, o uso indiscriminado e mortal dos agrotóxicos, as técnicas
irresponsáveis das corporações, as injustiças sociais. Um modelo que relega o
papel do Estado a subsidiar o benefício de um agronegócio para poucos e que
esbanja bens naturais e financeiros. Trata-se de um modelo que coloca em risco,
definitivamente, a vida. Esse modelo da modernização da agricultura que não
respeita a diversidade de saberes do campo brasileiro, que acirra seus
problemas e que limita a reprodução da diversidade de povos no campo é um MODELO
QUE NÃO SERVE, que deve ser radicalmente transformado a partir dos projetos fundados
na justiça social que as mobilizações já estão promovendo.
Por isso
conclamamos o engajamento de cada brasileiro para que participe do esforço de
desconstrução da barbárie que está em marcha, através do apoio às seguintes
ações:
- Bloquear
as mudanças legais que flexibilizam o CONTROLE SOBRE OS AGROTÓXICOS que colocam
em risco a saúde pública, as águas, solos e florestas.
- Ampliar
a ação política para o RESTABELECIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS voltadas à
agricultura familiar camponesa.
- Ampliar
os incentivos para fortalecer uma EDUCAÇÃO DO CAMPO promovida com, pelos e para
os sujeitos do e no campo e, a partir de suas realidades concretas.
- Apoiar
uma profunda e estrutural REFORMA AGRÁRIA fundada em outro modelo de produção e
de vida para o campo, baseada na redistribuição de terras, renda, riqueza e
poder no meio rural e no país.
- Impedir
a aprovação das LEIS que abrem as porteiras para que os estrangeiros adquiram
terras indiscriminadamente no Brasil, fator de grave processo de
desnacionalização, perda da soberania territorial e despojo dos territórios
indígenas, dos povos tradicionais e dos camponeses.
- RECHAÇAR,
DENUNCIAR E DIVULGAR todas as ações arbitrárias e violentas cometidas pelo
Estado do Paraná contra os trabalhadores rurais sem-terra como o ocorrido em
Quedas do Iguaçu, na Escola Nacional Florestan Fernandes em São Paulo, e Centro
de Pesquisa e Capacitação Geraldo Garcia (CEPEGE) no Mato Grosso do Sul
(operação Castra).
- Exigir
o FIM DA CRIMINALIZAÇÃO dos movimentos sociais e a imediata liberdade de todos
os presos políticos no Brasil.
- DENUNCIAR
E LUTAR CONTRA A PEC 215/2000 que elimina o arcabouço constitucional protetivo
sobre todas as Unidades de Conservação e todas os territórios indígenas e de
povos tradicionais no Brasil, em favor do império absoluto da grilagem no qual
repousa a possibilidade derradeira de ampliação da propriedade privada capitalista
da terra.
As pesquisas, os debates, as visitas em campo e a descrição de nossas
lutas cotidianas nos deram elementos para nos posicionar desta forma frente à quantidade
de problemas e ameaças que nos interpela profundamente. Com essa carta queremos
fortalecer caminhos para a ação conjunta propondo ações e reflexões que nos
permitam construir alternativas comuns.