Pular para o conteúdo principal

A que veio Dom Tomás Balduíno?


Maio chegou e, com ele, a notícia da perda de Dom Tomás Balduíno, o Bispo daqueles que colocaram na agenda política das principais democracias do mundo o clamor por ampla mobilização e firme engajamento: os camponeses e indígenas. Tanto o dia internacional das lutas camponesas quanto o dia do índio, celebrados em 17 e 19 de abril, surgiram de enfrentamentos árduos, como os que coroaram a vida de Dom Tomás. Tanto quanto as datas simbólicas, que servem para lembrarmos porquê vieram, é importante que não nos esqueçamos a que veio esse homem.

Fundador da Comissão Pastoral da Terra, somou à luta eternizada desde o Massacre de Eldorado do Carajás, contra camponeses em busca de uma nesga de terra onde apenas 551 imóveis dividem entre si mais de 255.000 hectares, a maior parte grilada e que, por lei, destinar-se-iam exclusivamente à reforma agrária.

Ainda que se ignore essa cláusula constitucional, por lei deveriam ser desapropriadas por improdutividade, já que geram apenas um emprego permanente a cada 2.056 hectares, quando no referido município o tamanho médio de 75% das propriedades é 21 hectares (IBGE).

A grilagem e a ociosidade das terras, razão das lutas camponesas, é também o que move a luta indígena, consagrada na data de criação do Instituto Indigenista Interamericano, com sede no México, do qual o Brasil é membro desde 1943 e que desde 1970 tem seu próprio conselho, o CIMI, que teve Dom Tomás como fundador.

Diferentemente dos camponeses, que lutam pelo acesso à terra, os indígenas lutam pela direito à permanência onde vivem mesmo antes de os colonizadores aportarem e, com eles, a cobiça que não reconhece fronteiras éticas ou legais. No momento, ela tem nome, PEC 215, que propõe a ingerência sobre as Unidades de Conservação e a destituição do direito indígena a territórios originários, tanto quanto áreas ocupadas pelos descendentes de escravos ali estabelecidos antes da abolição. Foram injustiças dessa ordem que Dom Tomás combateu, valendo-se da proclamação da verdade que conscientiza e mobiliza para que as leis sejam cumpridas.

As armas que costumeiramente a isso se levantam já fizeram tombar 331 trabalhadores e 563 indígenas somente nos últimos 10 anos (CPT). Para que não pereçam valores e princípios fundamentais em favor de um projeto discutível para o campo brasileiro, embalado no discurso da produção do sagrado alimento, é imperioso lembrar que segundo a CONAB, a área ocupada por lavouras temporárias nesse ano safra é de 56,4 milhões de hectares que, somados a das lavouras permanentes, fecha em 68,1 milhões a área agrícola do Brasil.

Note-se que os estabelecimentos com menos de 100 hectares ocupam 70,7 milhões de hectares, mas correspondem a 90,1% dos estabelecimentos rurais. Como o conjunto dos imóveis brasileiros ocupa 605,4 milhões de hectares (INCRA), os argumentos que projetam a grande propriedade como eficiente e protagonista do sucesso da agricultura brasileira são, no mínimo, parciais, pois se não houvesse um palmo de lavoura sequer em quaisquer daqueles com menos de 100 hectares, ainda assim os grandes teriam nada menos que sete vezes mais terras em idêntica situação.

Quem são, pois, os improdutivos do Brasil? O que explica as atuais investidas contra Unidades de Conservação e terras indígenas que, juntas, somam 197,6 milhões de hectares? E a criminalização da reforma agrária?

Com a palavra Dom Tomás Balduíno: "Como pensar num mundo e numa humanidade equilibrados e sustentáveis? Produzindo de acordo com a necessidade. Uma coisa é a necessidade em que todos participem. Outra, é atender a um modelo superpredador [...]. Não seria a hora de questionar o modelo vigente e dar a palavra à população camponesa, ao indígena?"

Eliane Tomiasi Paulino
Grupo de Estudos Agrários - Latec
Universidade Estadual de Londrina
Originalmente publicado em: http://www.folhaweb.com.br/?id_folha=2-1--2053-20140516&tit=a+que+veio+dom+tomas+balduino

Imagem:  stockvault. Postado originalmente em: http://questaoagrariapr.webs.com em 16 de maio de 2014.

Postagens mais visitadas deste blog

​JÁ ESTÁ DISPONÍVEL EM E-BOOK O ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PARANÁ

Um esforço coletivo do Observatório da Questão Agrária no Paraná junto a movimentos sociais e povos e comunidades que mostram a diversidade das relações, práticas e dos conflitos pela terra e território paranaenses.   Convidamos a todxs a se apropriar dessa leitura ampla e crítica sobre o campo no estado e esperamos que o Atlas seja objeto de leitura e divulgação, de uso como material didático e de formação, e acima de tudo que possa contribuir ao debate sobre o Paraná que temos e o que queremos.   Logo abaixo você pode clicar na imagem e Baixar o documento para ter acesso ao Atlas e desfrutar da leitura:  

NOTA DE REPÚDIO

A Rede de Pesquisadores sobre a Questão Agrária no Paraná, integrada por pesquisadores de oito universidades públicas do estado, vem a público manifestar preocupação em face do cerceamento do exercício profissional da Geógrafa e pesquisadora Márcia Yukari Mizusaki, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) por meio de ameaças motivadas pelo trabalho realizado junto às comunidades indígenas   do Município de Dourados, no Mato Grosso do Sul. À preocupação com esse que poderia ser um ato isolado, perpetrado por indivíduos que sentem-se à vontade para atentar contra os Direitos Constitucionais da servidora e dos indígenas, soma-se o repúdio à semelhante conduta do Jornal Diário MS, veículo de imprensa investido da tarefa pública de informação graças à concessão de que desfruta. A materia "Índios ampliam invasões de propriedades em Dourados", assinada por Marcos Santos, publicada no dia 22 de agosto último, é um exercício explícito de incitação à intolerância étnica